Vida longa ao jornalismo

Em livro, Roberto Cabrini prova que repórter e humildade são sinônimos | Por: Fabiane Cunha

Fabiane Cunha
4 min readSep 11, 2022
Foto: Fabiane Cunha

No mundo real das reportagens, espinhos são bem mais comuns do que flores. A cada 10 tentativas dessa tal grande reportagem, apenas uma pode vingar. Nas outras 9, perde-se tempo, suor e dinheiro, sem que tudo o que conseguimos nos leve de fato ao idealizado pote de ouro, às terras doces de Xangri-lá em forma de matéria jornalística.”

O trecho acima está presente no prefácio do livro No Rastro da Notícia, de Roberto Cabrini. Considerado um dos maiores jornalistas investigativos do Brasil, Cabrini conta histórias de bastidores de algumas das maiores reportagens de sua carreira. Ao todo, 10 matérias ganham corpo e alma ao serem contadas pela perspectiva jornalística, como a amizade do autor com o lendário piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna. Cabrini era correspondente internacional da Globo quando teve de anunciar a morte do amigo em rede nacional. A narrativa em torno dos acontecimentos que levaram ao trágico acidente de Senna e como ele se tornou uma lenda é calma e detalhada, sem nunca cair no “clichê” da importância do piloto para o automobilismo mundial.

O fato de ter sido Roberto Cabrini quem descobriu o paradeiro de Paulo César Farias, o PC, em Londres, na primeira metade dos anos 1990, fez essa história se tornar um dos maiores furos do jornalismo brasileiro. PC era tesoureiro do então presidente da República, Fernando Collor de Mello, e tornou-se pivô de seu impeachment. A narrativa de Cabrini quase torna essa história um enredo de filme de espionagem. Cada detalhe a respeito da vigia em torno do prédio onde PC estava e a comunicação entre os profissionais da Globo na época fazem o leitor imaginar cada cena e ambiente, dando mais suporte e animação à narrativa.

Além dos detalhes íntimos de bastidores, Cabrini conta cada história de forma corajosa, e não tem qualquer receio de expor a identidade de indivíduos que se tornaram réus ao longo dos anos, como é o caso da reportagem Sexo, intrigas e poder. Dividida em algumas partes e exibida em 2011 pelo Conexão Repórter, do SBT, na época apresentado por Cabrini, a dita reportagem traz à tona escândalos de pedofilia envolvendo padres da Igreja Católica, em Arapiraca, no estado de Alagoas. Sob o título O Segredo da Sacristia, o terceiro capítulo do livro é, sem dúvidas, o mais pesado em conteúdo. Por conter temas como religião e abuso sexual de crianças e adolescentes, a história de cada vítima que teve coragem de denunciar os religiosos é contada de forma leve, sem detalhes sórdidos a respeito dos atos praticados pelos envolvidos. Roberto Cabrini entrevistou vítimas e padres acusados em uma reportagem que dividiu a cidade de Arapiraca; uns se uniram em defesa das vítimas, outros preferiram acreditar nos religiosos. A forma como cada momento é narrado pelo autor mostra o quanto é necessário que um jornalista tenha “sangue frio” para contar determinadas histórias. Nesse mesmo capítulo, Cabrini fala da falta de confiança popular “na Justiça convencional e em suas instituições”, fazendo esse mesmo público depositar essa confiança no jornalismo “como uma alternativa para a elucidação de casos, a luta contra injustiças, o combate a abusos ou, em alguns casos, uma tentativa de seu uso para interesses próprios”.

Não cabe a essa resenha um resumo de cada capítulo, mas vale ressaltar a importância de atentar-se aos detalhes. Estudantes de jornalismo deveriam ter o livro No Rastro da Notícia em sua estante, pois os aprendizados a cada parágrafo são infinitos e geram questionamentos acerca desta profissão, que, segundo Roberto Cabrini, “é um exercício de humildade que começa pelo prazer em conversar com os anônimos, os esquecidos, os excluídos”. O jornalismo vai muito além de contar histórias, e isso fica explícito na narrativa de Cabrini, especialmente na última seção. A Um Passo da Eternidade é o capítulo mais emocionante do livro, pois é impossível não se apegar a uma mulher que deixa de ser apenas uma personagem. Rosa é uma paciente com câncer em estado terminal, e Cabrini a entrevista de uma forma diferente do tradicional. As perguntas não se resumem a “como” e “por que”. Há um forte laço de amizade entre entrevistador e fonte que faz o leitor sentir-se próximo daquela mulher tão positiva em relação ao seu estado de saúde e à morte. Cada frase de Rosa e cada pergunta de Cabrini trazem emoção e drama — no bom sentido — à narrativa. Sem dúvidas, é uma reportagem emocionante e inovadora no jornalismo brasileiro, pois quebra a barreira de que o repórter deve agir com frieza em situações delicadas “para não deixar de lado seu caráter profissional”. Jornalistas também são humanos e têm sentimentos, mesmo que boa parte da população acredite que reportagens com toque emocional não são profissionais.

Roberto Cabrini encerra o livro analisando como a internet vem facilitando e inovando o jornalismo ao longo dos anos. Porém, mesmo com tamanho avanço tecnológico, o jornalista é contrário à “correnteza de achismos predominante” e proclama que “a profissão jamais vai morrer”. Para Cabrini, o jornalismo que não ajuda a melhorar a vida das pessoas é inútil e está condenado ao esquecimento, pois é uma profissão que vai além de informar. Jornalismo é dar voz aos considerados inúteis e calados, praticar a inteligência e exercer diariamente o caráter.

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