Internet não é terra sem lei: os avanços de grupos neonazistas nas redes sociais no Brasil

Fabiane Cunha
4 min readMay 2, 2023

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Dados da SaferNet apontam que no Brasil existem 416 páginas neonazistas em 161 sites

Fabiane Cunha — Escola de Comunicação, Artes e Design FAMECOS

O discurso de ódio é apresentado e compartilhado nas redes sociais, especialmente em grupos com presença de militantes neonazistas.

“São mensagens misóginas, racistas, homofóbicas que não estão escancaradas. Mas o cara que é misógino, racista, homofóbico entendeu a mensagem”, comenta o deputado estadual Leonel Radde (PT/RS).

Sendo a maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos possuem forte influência na política brasileira de extrema-direita. Um exemplo disso, e que ocorreu em 2020, são as falas do então presidente Donald Trump a respeito do caso George Floyd, um homem afro-americano assassinado em 25 de maio daquele ano, em Minneapolis, no estado de Minnesota. Na ocorrência, Floyd foi abordado e estrangulado por Derek Chauvin, um policial branco que pressionou o joelho contra o pescoço da vítima, resultando em sua morte. O caso ganhou repercussão internacional, e manifestantes de diversos países se posicionaram contra a repressão policial às minorias e crimes de racismo, e criaram o movimento “Black Lives Matter”, a fim de promover uma reforma no sistema policial e uma legislação para lidar com a desigualdade racial. Por conta disso, inúmeros grupos supremacistas ao redor do mundo começaram a se manifestar contra a causa, alegando que “todas as vidas importam”, mas sem reconhecer seus privilégios e atacando até mesmo familiares de Floyd.

A maioria dos ataques e manifestações ocorreu pela internet.

“Existe uma interlocução de uma rede internacional que tem tentáculos em vários países, mas com uma certa centralidade, e que naquele momento estava representada pelo Trump”, aponta Radde.

Os perfis que manifestam pensamentos contra a honra humana podem ser de um usuário real ou os chamados perfis fake, nos quais a pessoa se esconde através de uma identidade falsa e propaga seus discursos com a crença de que não será descoberta. Segundo o advogado Tiago Goulart, especialista em direito digital, isso reflete na falta de uma “educação digital” desde os primórdios da internet.

“As pessoas se escondem atrás de uma tela achando que podem mascarar quem são e que não poderão ser atingidas por suas palavras e ações”, comenta o advogado.

Ele ressalta que no Brasil algumas legislações contribuem para a punição de comportamentos abusivos e terroristas na internet. O Projeto de Lei 142/2023, proposto pelo deputado federal Rubens Otoni (PT/GO), possui uma ementa que altera a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, “para tipificar a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda, para fins de divulgação do nazismo ou fascismo”.

O Marco Civil da Internet, de 2014, estabelece regulamentos e normas para um uso mais democrático desse dispositivo.

“Além de punir, essas legislações regulam a interação entre as pessoas no meio digital […] Mas uma das dificuldades é quando uma pessoa usa a tecnologia para tentar ocultar seus crimes e sua identidade”, afirma Tiago.

Para Ariel Gelblung, advogado e diretor para a América Latina do Centro Simon Wiesenthal desde 2015, casos como o de George Floyd, nos Estados Unidos, e dos judeus atacados em Porto Alegre, em 2005, provam que as pessoas estão mais seguras para falar sobre discursos de ódio e ataques contra a religião alheia no âmbito virtual.

“O surgimento da Internet na década de 1990 já tornou esse meio apto para a disseminação de discursos de ódio”, afirma o especialista.

Segundo ele, em 2014, no Twitter, eram postados cerca de 200 mil discursos de ódio por dia.

“O nosso trabalho é monitorar todas as contas e sites que promovem discursos de ódio e denunciá-los uma vez por ano”.

A SaferNet Brasil é uma associação civil de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político-partidária, religiosa ou racial que promove a defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil. Segundo dados da associação, em 17 anos a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos recebeu e processou 266.664 mil denúncias anônimas de neonazismo envolvendo 31.319 mil páginas (URLs) distintas escritas em 8 idiomas e hospedadas em 1.407 sites. Ao todo, 25.500 mil foram removidas. No Brasil, são 416 páginas neonazistas em 161 domínios. Já os crimes de intolerância religiosa estão presentes em 957 páginas hospedadas em 318 domínios.

Dados da SaferNet mostram números de páginas e domínios neonazistas no Brasil. | Foto: Reprodução.

Dados da organização indicam que em 2022 foram realizados 1.421 mil atendimentos por e-mail e 131 por chat.

Ao todo, foram realizados 1.552 atendimentos no Brasil, em 2022. | Foto: Reprodução.

Segundo Ariel, “as redes sociais atuam personificando o que antes era a captação de pessoas dispostas a realizar ataques terroristas […] O discurso de ódio pode ser um limite para a liberdade de expressão”.

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